Economia circular começa a ganhar força
Economia circular depende de uma ação colaborativa entre diferentes atores, políticas públicas e mudança cultural nas organizações
Nas taxas de consumo atuais, a humanidade está usando o equivalente a 1,75 vezes os recursos naturais da Terra a cada ano. Uma solução para essa situação é a adoção de uma economia circular, que remodelará fundamentalmente as indústrias – e já está em andamento.
A circularidade, como explica a consultoria Bain & Co em uma análise sobre o tema, representa uma dissociação do crescimento econômico do consumo de recursos. Para as empresas, significa conservar materiais, prolongar a vida útil de um produto por meio de reparo e reutilização e, por fim, reciclagem. Também inclui a melhoria da utilização por meio de novos modelos de negócios, como aqueles que oferecem produtos como serviço e plataformas de economia compartilhada.
Em entrevista à EXAME, o professor da Universidade de São Paulo Aldo Roberto Ometto, especialista em economia circular, afirma que, no Brasil, a grande oportunidade do novo modelo, além de uma melhor gestão dos resíduos, é incluir as cadeias de suprimentos, aqueles atores que estão na periferia do sistema, as cooperativas, os catadores. “Lógico que existem os ganhos ambientais, os ganhos de uso mais eficiente de recursos, os ganhos da gestão dos resíduos, mas a grande oportunidade está na possibilidade de se ter um modelo mais inclusivo, e não de modo assistencialista, mas de modo estratégico.” Veja a íntegra da entrevista.
Como você vê o avanço da economia circular no setor privado brasileiro?
O avanço da economia circular no setor privado no Brasil e no mundo se dá pelo avanço da visão da economia circular em relação aos valores que ela pode gerar. É uma mudança de mindset que já vem de algum tempo. O principal critério de decisão das empresas sempre esteve focado somente na redução de custos, e a economia circular traz uma visão mais ampla, sistêmica, que traz, além da redução do custo, que, claro, é importante, a busca por gerar mais valor por mais tempo de modo diversificado e mais amplo, o que traz principalmente maior resiliência para os negócios e a empresa.
Com essa visão de geração de mais valor, por mais tempo e de modo diversificado, para todos, para uma gama de atores mais amplo em relação aos modelos lineares [de produção], a economia circular começa a ganhar força e mostrar suas oportunidades de implementação e de ganhos. Isso começa a partir do momento que a economia circular deixa de ser vista apenas como algumas atividades operacionais, como a reciclagem, para uma mudança estratégica do modelo de negócio, no qual, na proposta de valor central se inclui as possibilidades de recuperação de recursos, de extensão da vida útil do produto, de produto como como serviço, de compartilhamentos, de virtualização, digitalização, desmaterialização. É quando se começa a se a visão do negócio, do valor que a economia circular pode gerar.
E nessa mudança mais ampla as atividades operacionais começam a fazer mais sentido.
Na comparação com outros países, como você avalia o andamento da economia circular no Brasil?
Há uma diferença do Brasil, e não só, mas dos países do hemisfério sul de modo geral, em relação à visão que está sendo desenvolvida na Europa e nos Estados Unidos. A gente pode identificar que a estratégia e a visão que estão sendo colocadas na Europa estão, principalmente, relacionadas à gestão dos recursos físicos, dos materiais e como se estrutura um uso mais eficiente dos recursos. Nos Estados Unidos, a principal estratégia tem sido a visão focada em gestão de resíduos, com a economia circular sendo uma opção para a gestão dos resíduos. Isso porque, na Europa, há escassez de grande de fontes de recursos naturais, físicos, e nos Estados Unidos salta aos olhos a grande quantidade de geração de resíduos, que ali é gerado. Então, frente a seus principais desafios, a economia circular é vista como solução dessas formas, respectivamente.
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No Brasil, em contrapartida, quando a gente começa a colocar em prática a economia circular, a primeira coisa que a gente discorre é que nenhuma empresa realiza a economia circular sozinha. Ela precisa ser feita em colaboração, em parceria, precisa de vários atores para que possa ocorrer. E quando se começa a estruturar esses ecossistemas circulares, a grande oportunidade que a gente verifica para o Brasil entre os países em desenvolvimento é incluir as cadeias de suprimentos, aqueles atores que estão na periferia do sistema, as cooperativas, os catadores. Lógico que existem os ganhos ambientais, os ganhos de uso mais eficiente de recursos, os ganhos da gestão dos resíduos, mas a grande oportunidade está na possibilidade de se ter um modelo mais inclusivo, e não de modo assistencialista, mas de modo estratégico.
Hoje, entre as principais discussões que se tem nas principais escolas de negócios do mundo, é como se estruturam os ecossistemas. E os líderes desses ecossistemas investem nos atores que são menos estruturados, porque é estratégico para eles que esse ecossistema funcione. E já está ocorrendo de grandes empresas investirem em cooperativas, nessa estrutura, para que realmente se feche esse ciclo e se possa ter nos produtos materiais reciclados, materiais remanufaturados, serviços de manutenção, de reuso, são várias empresas, varias organizações que começam a ser estruturadas para realizar essas novas atividades.
Quais são os principais obstáculos para o setor privado brasileiro adotar de forma mais ampla a economia circular – e que tipos de soluções vêm sendo encontradas?
O centro da mudança é a mudança de um mindset que sai do curto prazo para uma visão de longo prazo, que sai de uma visão que só olha o linear, o processo, para se olhar todo esse ecossistema, para uma visão sistêmica. Esse é o grande desafio. A grande mudança é a mudança cultural. Não estamos falando somente de uma inovação tecnológica específica. Estamos falando de uma inovação sociotécnica, que envolve mudanças nos hábitos do consumidor, que, inclusive, já incorporaram essas mudanças, com o digital e a aproximação do cliente da forma como ele consegue atender suas necessidades. Essa mudança para uma economia superfluida já está colocada, onde há esse contato direto. A empresa não é mais o centro dos negócios e os consumidores orbitando em volta. É o consumidor nesse centro e várias formas de atender suas necessidades. E muitos deles consumidores] na plataforma de seu celular ou computador, e isso caminha para a desmaterialização, propostas que incluem serviço, diminuição de recursos físicos, o centro disso é a geração de valor e como se estrutura o negócio de uma forma muito mais sistêmica.
É fundamental que as políticas públicas estejam alinhadas, para não sobretaxar um material reciclado, por exemplo, ao contrário, que incentive a reciclagem. [Uma política pública] que reduza os impostos relacionados ao trabalho para ampliar os serviços, gerar mais empregos. Educação é fundamental também.
No Brasil, a gente já tem uma cultura de uso do produto [até o fim de sua vida útil], as pessoas passam para outras. Mas a gente precisa de infraestrutura, de saneamento básico, questões prioritárias para conseguir implementar um modelo sistêmico desse em grande escala: coleta seletiva, logística reversa, orgânicos, algo que envolva sistemas integrados entre agricultura, pecuária e floresta, um sistema de logística para que esses modelos tenham a base para poderem ganhar escala.
E, soma-se a isso, os desafios de mudança cultural nas organizações, para enxergarem esses valores e transformarem em modelos estratégicos. O centro não é mais a empresa em si, é o ecossistema como um todo, são todos essas organizações estruturadas para que os valores possam ser gerados em uma escala maior, em um tempo maior, abrangendo mais stakeholders. É sobre geração de valor, mas um valor projetado diante dessa visão sistêmica.