Com hidrelétricas jogando água fora, Aneel pede ao ONS para reduzir geração de termelétrica
BRASÍLIA — A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) pediu formalmente para o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) reduzir a geração de energia por termelétricas, mais cara, diante da constatação de que grandes hidrelétricas estão jogando água fora sem produzir energia.
Responsáveis por 20% da capacidade de geração hidrelétrica no país, as usinas Belo Monte e Tucuruí, no Pará, e Sobradinho, na Bahia, literalmente jogam água fora por conta dos limites de escoamento de produção de eletricidade no Norte/Nordeste para o centro-sul do país — enquanto o ONS privilegia a geração por termelétricas.
Ofício de superintendentes da Aneel ao qual o GLOBO teve acesso confirma que há um cenário de “excepcionalidade frente ao vertimento turbinável já praticado desde início de janeiro” nas hidrelétricas do Pará e na Bahia, situação que deve se repetir em mais hidrelétricas da cascata do Rio São Francisco (na qual se inserem Sobradinho e outras usinas do Velho Chico, como Xingó e Paulo Afonso).
Vertimento turbinável é a forma técnica de dizer que uma hidrelétrica está jogando água rio abaixo sem passar pelas turbinas e, portanto, sem gerar energia.
Aumento de custos
No documento da Aneel, os técnicos dizem que há uma “concorrência dessa geração hidráulica com o despacho termelétrico antecipado” de uma termelétrica de Sergipe e que isso gera custos para os consumidores. Por isso, a Aneel defende a redução da geração de energia da termelétrica para reduzir o impacto para os consumidores.
A termelétrica Porto Sergipe tira espaço das hidrelétricas nas linhas de transmissão. Ela custa R$ 12,6 milhões por dia, R$ 378 milhões por mês. A cifra é paga por todos os consumidores nas contas de luz, numa evidência das limitações que perduram na infraestrutura e na gestão do sistema elétrico, como mostrou ontem o GLOBO.
Por isso, a Aneel pede a redução da geração dessa termelétrica e que isso não seja compensado por outras usinas desse tipo no Sudeste do país.
“De modo a assegurar a redução de custos indicada, é indispensável que o ONS garanta que não haverá, dentro dos limites estabelecidos pelo CMSE (Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico), uma geração termelétrica por garantia energética no subsistema Sul e Sudeste/Centro-Oeste com vistas a compensar a redução esperada na UTE Porto do Sergipe”, afirma o ofício da Aneel.
A agência reguladora destaca que essa prática “caracterizaria aumento de custos para os consumidores, indo de encontro ao objetivo pretendido com a redução de geração solicitada”.
Resposta do ONS
O Operador Nacional do Sistema Elétrico disse em nota, nesta terça-feira, que que, em 13 de janeiro de 2022, enviou carta à Agência Nacional de Energia Elétrica formalizando que estava em negociação com a termelétrica Porto de Sergipe, desde o início de janeiro, para possibilitar a redução do despacho daquela usina, tendo em vista as afluências favoráveis que estavam sendo observadas nas bacias hidrográficas localizadas nas regiões Norte e Nordeste.
“Vale destacar que a termelétrica Porto de Sergipe é uma usina que utiliza Gás Natural Liquefeito (GNL), cujo despacho é definido com 60 dias de antecedência. Portanto, não é possível reduzir de imediato o despacho, pois a compra do combustível é feita de forma antecipada. Por essa razão, o ONS deu início a negociações, visando encontrar uma forma de reduzir a geração da UTE Porto de Sergipe resultando em redução de custos para o consumidor brasileiro”, afirma a nota.
A ONS disse que a iniciativa é parte do compromisso em fazer a gestão correta dos recursos existentes e prezar pela transparência na sua atuação.
“Cabe ainda destacar que, o acionamento da UTE Porto de Sergipe foi aprovada pelo Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) como uma das medidas para o enfrentamento da escassez hídrica registrada no período 2020-2021”, afirma a nota.
O ONS ainda confirma que UTE Porto de Sergipe concorre com as usinas hidrelétricas, termelétricas, eólicas e fotovoltaicas localizadas no Norte e Nordeste pela capacidade de transferência energética dessas regiões para o Sul, Sudeste e Centro-oeste.
“Nesse início de 2022, as precipitações verificadas no Norte e Nordeste ficaram muito acima da média, resultando em afluências bastante elevadas, especialmente nos rios Xingu, Tocantins e São Francisco, fato que, juntamente com a geração eólica e fotovoltaica do Nordeste, provocou o esgotamento da capacidade de intercâmbio entre os subsistemas. Com a redução do despacho de UTE Porto de Sergipe, nos momentos em que essa capacidade estaria sendo atingida, abre-se espaço para maior aproveitamento das demais fontes, de menor custo ao consumidor”, diz o texto.
Também em nota, o Ministério de Minas e Energia confirmou que a Porto Sergipe foi acionada por determinação do CMSE.
“Com a melhoria das afluências às usinas hidrelétricas das regiões Norte e Nordeste, é possível explorar esses recursos energéticos e reduzir a geração da UTE Porto Sergipe. Diante desse fato, o ONS solicitou a avaliação da Aneel para realização da redução de geração da UTE Porto Sergipe sem custos adicionais ao empreendedor”, diz o texto.
O MME ainda afirma que as usinas não estão jogando água fora. Porém, o ofício da Aneel deixa claro que há desperdício de água.
“O MME e as instituições do setor elétrico têm buscado garantir a segurança do abastecimento eletroenergético brasileiro aos menores custos possíveis, sempre considerando os cenários e condições operativas mais atualizados”, afirma a nota.
Fonte: OGlobo